14 fevereiro 2012

INSUSTENTÁVEL

Justine. Esse é o nome que imagino para ela, a mulher que eu amo e sonho encontrar uma noite qualquer, talvez em Paris, quem sabe em Itaquera. Após La Nouba, no Cirque du Soleil ou num show desses que vendem ingresso pela metade do preço e anunciam seus horários em muros de periferia, caminho de ônibus e vans circulares repletas de público cansado de horas extras. Justine ou Carine. Carine... Essa mulher teria um dom, um poder ou talento especial que a tornaria única no mundo inteiro. Talvez fosse pianista, bailarina, poetisa ou cozinheira. Ela me encantaria pelos olhos grandes, castanhos ou esverdeados. Quando sorri aparecem duas marcas de expressão nos cantos dos lábios e uns dentes corretos. Os cabelos são lisos, castanhos claros, curtos. Em cada uma das orelhas tem apenas um furo com um brinco de argola. Douradas. Ela sorri quando me vê e seus olhos parecem que fecham, posso apostar que é puro contentamento. Alegria com um misto de ansiedade desfeita e coração calmo de me ver inteiro, salvo, livre, ao alcance de suas mãos, abraços, beijos. Ela fecha completamente os olhos quando percebe que vou beijá-la. Aline é o nome dela. Aline é melhor que Justine ou Carine, sim, ela se chamaria Aline. Ela diria, olhando em meus olhos, que jamais teria coragem de me deixar. E eu diria que seu nome é doce de ser pronunciado através de minha boca. Diria isso porque sou péssimo para retribuir demonstrações de amor, porque não sou romântico, porque diante dela eu não teria boas palavras para dizer. Talvez eu respondesse apenas seu nome. A-li-ne! Eu diria separando as sílabas, a mão correndo por seu corpo enlaçando sua cintura. Ou então o ar sairia quente dos pulmões e a língua estalando duplamente, uma vez no céu da boca e outra nos dentes, deixando escapar seu nome, A-LI-NE... E seria meu último sussurro antes de segurar mansamente sua nuca e pousar meus lábios nos seus, desfazendo o sorriso grande de dentes corretos. Sons de violinos escapam de algum lugar indeterminado, ou seria novamente minha imaginação pregando peças? Aline existe apenas na minha mente cansada de horas extras. Uma mulher como ela não é possível e a realidade é que estou sozinho, me protegendo da garoa, esperando ônibus. Apenas isso. Não! Olhando bem tem mais alguma coisa! Do outro lado da rua, um cartaz colado no muro anuncia uma peça. METADE DO PREÇO! A oferta está em letras garrafais, ganhando mais destaque que o nome da atriz principal. Darlene é o nome dela. O sobrenome foi rasgado, arrancado junto com o resto do cartaz. Algum insensível... atualmente as pessoas estão menos românticas. Eu sussurro parte do seu nome: Le-ne. Eu posso jurar que são dois estalos com a língua, um súbito e outro ricocheteando gentil no céu da boca... E se faz silêncio! Ainda não me arrisco a repetir seu nome em voz alta.

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