11 fevereiro 2012

FAMÍLIA DE NOVELA


Eu soube assim que o telefone tocou. A campainha toca igual todas as vezes, mas algum alarme interno zumbiu junto com o alarme do telefone. Alguém pode dizer que é alma do ente querido passando para se despedir da alma que habita o nosso corpo... mas eu não acredito em nada disso! É besteira! Eu soube porque ninguém liga na casa dos outros após a meia noite, para dar notícia boa, pra dizer que ganhou na megasena acumulada. Meu irmão estava bonito. Eu nunca tinha visto ele tão bonito assim. Por mais estranho que possa parecer, ele estava com as mesmas feições de quando eu esmurrei a cara dele por causa de algumas pipocas. Sim, pipocas, dessas de milho estourado! Eu estourei a cara dele... mentira, foi só um soco no nariz, que ficou sangrando e a mãe colocou um chumaço de algodão pra estancar a hemorragia. Nem quebrou. Ele quis que eu dividisse minhas pipocas com ele, quando recusei deu um tapa em minha mão. As pipocas se espalharam pelo chão e eu juntei meus dedos, fechei a mão e dei a porrada. Deve ser o chumaço de algodão no nariz que me fez lembrar desse episódio. Minha cunhada chorou. Choro de mentirinha! Ela estava separada dele pela oitava vez. Separou e voltou umas três vezes só no último ano. Agora está livre do traste de uma vez por todas. Porque meu irmão, como marido, era um traste, sim senhor. Não é depois de morto que ele vai virar um santo, o padroeiro dos casamentos felizes. Era um safado, vivia botando cornos na minha cunhada. Quantas vezes eu não tive que aplacar as angústias dessa coitada. Quando separava dele corria pra onde? Lá pra casa. Eu dava abrigo e comia. Minha cunhada é bonita, eu tinha que comer. Ela ficava uma semana, duas e depois voltava pro meu irmão. Saudade do filho é complicado. Toda vez que ela dizia que ia embora, meu irmão rebatia que ela podia sair e nunca mais voltar, só ela! O filho ficava. Agora está feita! Vai herdar a casa, o carro, metade da transportadora e alguns caraminguás depositados no banco... ainda tem o seguro, a pensão e essas coisas todas. Acho que nunca mais vai querer dar pra mim! Coitado do meu sobrinho, quero dizer, depende do ponto de vista! Em todo caso é mais um que vai crescer sem figura paterna por perto. Tomara que a última visão, a lembrança que fique para ele, seja essa que eu tenho agora diante de mim. O pai rodeado de flores, bonito. Porque meu irmão até que ficou um defunto bonito. Só o vi bonito assim no dia em que se casou, da primeira vez, que foi a única que se casou de verdade. Os outros casamentos todos foram ajuntamentos. Inclusive com a atual, a viúva, essa que vai herdar tudo. Porém, meu irmão registrou o filho com ela. Filho é o que mais vale pra efeitos de herança. As outras mulheres todas, pelo menos meia dúzia de viúvas, vão ficar chupando o dedo. O defunto tinha sorte com mulher bonita. Uma mais gostosa que a outra. Dizia que tinha aversão a filhos, mas o que ninguém sabe, nem minha mãe, eu acho, é que o traste do meu irmão fez dois outros filhos em mulher da vida. Uma menina e outro menino! O menino mora com a vó, uma senhora que não pode nem ouvir falar no nome da filha, largada no mundo. Eu já fui lá procurar saber da mãe desse meu sobrinho bastardo, mas quase saio com a cabeça rachada. Já a mãe da Ritinha, minha sobrinha bastardinha, eu sei bem onde mora. Ela ainda não sabe que perdeu o pai de sua filha. Quando aparecerem por lá cobrando o aluguel atrasado ela vem me procurar. Vem tirar satisfações, igual veio todas as vezes em que precisou falar com o safado do meu irmão. Ela sempre envia recados através de mim. Eu que não sou besta, só passava a informação adiante depois que ela dava pra mim... isso mesmo! Puta. Puta pro resto da vida. Não tem essa de ex-puta. Vadia quando convém arria as calcinhas sem nem pensar duas vezes. É só precisar que troca sexo por favores. Daí eu vou comer ela e só depois dizer que o meu irmão morreu. E morreu tarde! Ia desgraçar a vida de mais alguém se ficasse mais tempo entre os vivos. Ninguém vai falar no assunto agora, mas nosso pai morreu sem falar com meu irmão. Dezoito anos sem falar com o próprio filho! E por que? Porque meu irmão era safado! Roubou o próprio pai, pegou procuração pra vender umas terras lá em Sorocaba e nunca repassou o dinheiro. A casa, o carro, a sociedade com o Laerte na transportadora e mais uns caraminguás que tinha no banco? Tudo fruto de passar a perna no próprio pai. A mãe já era separada do pai quando meu irmão deu o golpe, ela achou foi pouco porque nosso pai tinha dado o golpe nela durante o divórcio. Ficou com mais do que tinha direito e ela saiu só com o sobradinho da vila Nhocuné. Teve que costurar pra se manter e o velho, meu pai, tinha uma fortuna no caixa dois. Pagou apenas salário mínimo de pensão alimentícia até o dia da morte. Depois que eu me apossei de tudo que era do velho, já que ele fez questão de colocar os bens todos no meu nome em usufruto dele, - não ficou nada pra nova esposa e meu meio-irmão caçula - eu dei um dos apartamentos pra minha mãe. Também dei como usufruto, escritura em meu nome. Prevenção, porque na minha família ninguém presta... Ainda bem que não tenho irmãs. Imagina o que seriam? Tudo puta! Mas agora que meu irmão morreu dá pra recomeçar, limpar o nome da família, comprar algum título em clube familiar, frequentar festas distintas, enterrar essas histórias todas, esquecer os filhos ilegítimos... Só acho difícil parar de comer minhas ex-cunhadas. Isso eu não garanto.

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