17 fevereiro 2012

IMENSIDÃO

Eu queria começar esse texto dizendo que estou sentindo falta de um homem. Mas isso poderia suscitar pensamentos maliciosos no meu leitor. Não tenho nada que antecipar o assunto pra dar satisfações, mas também não posso simplesmente deixar que abandonem a leitura no primeiro parágrafo pensando que eu estou saindo do armário. Não, eu não estou dentro de armário algum e espero que não estejam ávidos por revelações que nem existem.Estou apenas sentindo saudade dos homens da minha vida. Minha filha agora tem aulas de natação toda semana. Dia desses estava ajudando-a no ritual de vestir maiô, touca, óculos, pegar toalha, roupão, chinelo, eteceteras e ela quis saber se eu tivera aulas de natação quando menino. Respondi que não. Sem pensar. Depois pensei que tivera sim, uma aula apenas. Meu avô paterno percebeu meu receio ao entrar no córrego, perguntou se eu sabia nadar e, diante da negat iva, disse que nem precisava aprender. Bastaria eu engolir um lambari vivo para nadar feito peixe. Era um dos homens de minha vida, não tinha porque duvidar. Pegamos um pobrezinho e não me lembro de ter feito caretas enquanto o engolia, sem mastigar. Nem bem fechei a boca já fui atirado por meu avô no lado fundo do córrego. Ele era um homem enorme, forte, e falava grosso, rouco. No meio do espanto ouvia seus rugidos ordenando que eu batesse braços e pernas. Não sei se foi por necessidade ou por medo de desobedecer a ordem. Sei que, após engolir alguns goles de água, eu me vi na margem salvadora. Procurei meu avô e ele não estava onde eu pensei que estaria, levei o maior susto quando percebi que ele estava dentro d'água. Compreendi que entrou na água, completamente vestido, para me salvar caso eu não conseguisse nadar. Eu consegui. Nunca mais parei. As lições eram assim, às vezes rudes, noutras não. Meu pai me ensinou a jamais maltratar um animal doméstico. Meu tio ensinou a empinar pipas e outro tio, este materno, teve paciência para me ensinar a desenhar e depois a conquistar meninas com minhas habilidades artísticas. No padrão da época todos me diziam a mesma coisa, nunca levar desaforos para casa, mas numa briga jamais bater em quem estivesse caído. Estes foram homens de grande importância em minha vida, e eram assim, unidos. Todos, sempre juntos, protegendo suas crianças. Uns mais sisudos, feito meu pai, outros mais moleques, feito o tio materno. Meu avô era um misto de todos eles, as vezes interrompia uma brincadeira do nada e se insistíssemos dizia rude: arreda! Ai a brincadeira parava em definitivo. Meus homens. Cada qual me proporcionou uma estreia na vida, um primeiro passo rumo a me tornar o homem que sou. Meu avô ainda me deu uma ultima lição. Foi com ele que aprendi a dizer adeus para sempre. Depois, um a um, todos se foram e eu sinto saudades. Herdei traços físicos e de personalidade. Herdei também a obrigação de indicar o bom caminho aos meus filhos, aos sobrinhos. Sinto-me responsável em transmitir tudo que aprendi com os homens de minha vida. Sinto-me guardião de cada criança da família e, muitas vezes, tenho a impressão que estou parecido com o meu avô. Devo reconhecer que tenho muito mais que gostaria do jeitão do meu pai. Sou agora um homem feito, meu filho é um homem!, poderia dizer que já tenho idade para ser avô. Porém, a verdade é que eu sou apenas o filho mais velho, o tio mais velho, o pai.... É assustador para quem se sente tão só com inúmeras perguntas ainda não respondidas. Mais do que nunca, sinto falta de meu pai, do meu avô, ou um de meus tios. Sinto falta de pelo menos um desses homens ao meu lado. Era isso, só isso que eu queria dizer, leitor. E creia-me, é muito difícil para um homem expor suas imensidões.

Um comentário:

  1. Putz!!!! Lendo o seu texto, não teve como não relembrar a minha infância, foi mais ou menos dessa forma, porem na cidade... Um deles me ensinou a andar de bicicleta de uma forma rude na época, porem o medo que senti se viesse a cair, obrigou-me a aprender quase que imediatamente, e isso marcou muito! Vou sempre lembrar da Caloi 10 verde metálica, hehehe

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