10 março 2012

FRANCO

Chuva na janela é convite para se molhar. Dois terços da classe eram mulheres e seis delas homônimos. Para não confundir, a chamada era pelo sobrenome: Franco? - que me passava sensação de veleiro branco num horizonte de tempestades - Presente! Na penúltima fila, tapando parte do quadro com seus cachos. Não incomodava! Eu gostava de assistir o ir e vir dos seus cabelos, cada vez que ela se ajeitava na cadeira a minha frente. Mar castanho encapelado. Era um céu carregado, de nuvens suspensas. Vento ponteiro. Na primeira semana foi pura agonia. Vontades, timidez, disfarces. Queria mais que dizer oi no início da aula e tchau no final. Arquitetava desculpas sonsas, mirabolantes abordagens até que, finalmente, no início da segunda semana, me veio alguma coragem. Pedi uma caneta emprestada. Devolvi sem nem soltar o obrigado que ficou engasgado, troncho, sufocando o discurso premeditado. Franco nem tchuns! Inocente do encanto que sua nuca me acendia, ela continuou seu ritual de fim de aula. Guardou livros, guardou cadernos, lápis e guardou também a caneta devolvida. Percebeu meus olhos fixos nela e me sorriu, como quem se obriga a ser gentil, depois fechou a bolsa, ajeitou a mecha de cabelos atrás da orelha e se foi. Velas infladas, vento de feição. Tchau. A tempestade tragando ventos, águas gritando nas venezianas e escorrendo pelos vidros. No final do bimestre a camaradagem dava licença para algumas ousadias, sentei ao lado dela na lanchonete e ajeitei sua mecha atrás da orelha, como ela sempre fazia. Franco - talvez incomodada, talvez não confiando na minha competência, talvez para deixar claro que ajeitar seus cabelos era tarefa exclusiva, talvez repetindo porque era hábito - ajeitou a mecha que eu havia arrumado e ficou calada. No final do intervalo não me esperou, voltou para a aula me deixando um sentimento de vento escasso, de barco à deriva. Chuva intensa, temporal na grama, vento e granizo. Numa aula qualquer - talvez economia, Franco se vira, ajeita os cabelos atrás da orelha e pede minha opinião sobre algo que nem lembro. Soltei duas palavras; "não sei" e emendei a pergunta que estava entalada. Não. Ela não estava brava, nem ofendida, nem magoada, nem triste. Não estava! Só guardava uma estranheza, uma emoção inusitada de eu lhe arrumar os cabelos assim, do nada. Prazer ou incômodo? - perguntei com receio. Acho que gostei – me respondeu e os olhos brilharam afastando um cinza sinistro. Meu coração em vórtice. Vento bóreas, um gigante das vagas, depois era noto. Fim da aula. Fim do oceano nos separando. Peito aberto num abraço amigo... e não houve tchau. Ela se foi. Simplesmente vento aparente até sumir pela porta. Fiquei sozinho, tremor nas mãos, sentimento frouxo de menino tomando garoa. Também fiquei mais próximo, mais íntimo, mais eu e ela. Nos inícios de aulas passamos a trocar beijinhos, no rosto, sem dizer oi. Nos intervalos falávamos da vida, do universo e de nós. Na saída outros beijinhos e um tchau. A tarde nos encontrávamos para o trabalho escolar, um cinema, um teatro, um shopping, um sorvete, um qualquer coisa e também para falar da vida e tudo mais. A timidez foi embora de vez. Mas veio uma vontade cada vez mais intensa de ficar com ela, abraçar, fazer carinho, contar estrelas. Mas e coragem? Franco parecia que também queria, mas no portão, no limite do tchau, apenas ajeitava os cabelos atrás da orelha e ia. Vento em popa. No horizonte tempestades. Chuva noturna, tromba d'água de dia. Eu me molhando inteiro a cada convite que a tempestade fazia. Franco se distraia num súbito de me fazer feliz e eu brincava de dizer que estava encantado. Não queria que fosse brincadeira, queria era retribuir, lhe beijar a ponta do nariz, pegar sua mão, andar de braço dado, ficar paradinho... de rosto colado. Não era apenas vontades de cama... Bem, era sim! - desejo imenso de permanecer junto dela e descobrir segredos da nau ancorada. Ela sabia, sei que sabia, mesmo assim desfraldava a polaca e se ia, entre tormentas e sombras. Às vezes ficava e falava da vida, do universo... Noutras apenas ajeitava os cabelos atrás da orelha. Decerto ela me via poita, somente um amparo na imensidão dos oceanos. Eu queria ser porto. Antes que cessassem as tempestades já era tempo de diplomas e cada qual foi para um lado, Franco num vento travessão e eu seguindo o ribombar d'alguma trovoada. Não soubemos nos seduzir. Agora que o sentimento é uma brisa de lenços brancos acenados em despedidas, percebo o que era tão óbvio - infortúnio cego. Eu era calmaria... Franco, temporal.

NOTÍCIAS DO LADO DE LÁ

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