13 julho 2012

UMA ADAGA NO VÃO DA PUPILA

 

“Não é o mais forte que sobrevive,
nem o mais inteligente,
mas o que melhor se adapta às mudanças.”
- Charles Darwin

Eu vejo um velho no espelho, um velho interno, dentro de mim. Consigo enxerga-lo pelo vão de pupilas cansadas das intempéries da vida. Esse velho sobreviveu a várias rotações em torno do sol e a milhares de translações sobre si mesmo, morreu tantas vezes que só ele pode dizer quantas. E todas as mortes foram iguais. Ferido por uma adaga. Por isso, ele se obriga a ostentar essa aparência de forte, apesar de não ser nem mesmo inteligente.

O velho não sou eu. É a alma que agora me habita. Eu digo agora, porque já foram tantas, a julgar verdadeiros os presentes que amigos, familiares ou desafetos, em algum momento me ofertaram. A primeira pessoa a me presentar uma alma, foi minha avó materna. Deu para mim uma alma boa. Eu ficava procurando por essa alma em mim, mas não sabia ainda que deveria olhar no vão das pupilas. Essa foi sucedida pela alma de artista, presente de uma professora no primário. Depois minha vida ganhou um espírito cigano... esse eu matei e durante bom tempo me habitou um espírito empreendedor. Espíritos brincalhões são presentes constantes, coisas de amigos mais queridos. Até mesmo um espírito de porco me habitou, era tão perfeito que cometeu suicídio. Agora me habita esse espírito velho! Ele está inquieto e por isso veio espiar comigo seu reflexo no espelho. Eu me pergunto se já houve em mim espírito mais belo que ele. Depois me calo, quero dizer, paro de pensar para que o velho não saiba que já me habitaram tantos espíritos inquietos que nem sei dizer qual foi mais belo. Porque a beleza do espírito está na inquietude. Exatamente por isso tenho essa mania de assassinar espíritos domados. Cada vez que o vão das pupilas revela a quietude morna de um espírito calmo, eu lanço uma adaga e firo de morte a alma sedentária que em mim habita. Na morte desta, nasce uma nova inquietude e vou me renovando indefinidamente. Mas este último não se aquieta, o que me fez desconfiar que fosse o mesmo, velho e único espírito que já tive. Ele está adaptado a mim e nunca morreu de verdade. Aprendeu a ludibriar minhas adagas, ou a mentir que elas feriam. Decerto riu todas as vezes que pensei tê-lo matado... E se morreu alguma vez, ressuscitou. Sua inquietude, agora, vem da falta de adagas arremessadas. Há muito não o firo - desde que a sinceridade de todas as mortes se tornou duvidosa, e isso deve incomodá-lo mais que a mim.

Esse velho é realmente o mais belo, admito num pensamento dentro de outro pensamento que está escondido num terceiro para borrar a resposta a minha pergunta. Sim, essa minha alma é bela em suas inquietudes e atuações dramáticas de falsa-morte! Porém, rir todas as vezes antes de morrer não foi inteligente, já que eu posso feri-la de fato. E para isso nem preciso ser forte... Só preciso cerrar os olhos, fechar o vão das pupilas.

12 julho 2012

POSTIGO NUM DESAMOR QUALQUER

Antes, eu era capaz de expressar em letras os meus desertos e suas dunas imensas, hospedeiras de pequenos oásis. Ontem eu conseguia revelar as florestas tropicais em mim, onde arbustos e velhas árvores abrigavam pequenas clareiras de folhas velhas, decompostas e úmidas. Discorria sobre veredas que conduziam a penhascos suicidas, de onde eu atirava torrões de terras num rio caudaloso. Com palavras eu podia dizer desse meu lago interno, profundo, sereno, frio. Dizer das cachoeiras, das vertigens, dos céus em minha mente ou dos abismos em meu peito. Podia ainda abrir um postigo e mostrar o que havia de grandioso, fulgurante e solitário em mim. Sim, em algum momento, já mostrei a você o astro amarelo aquecendo areias de uma praia vazia, onde pés descalços imprimiam rastros da fome que ardia em meus olhos. Com a escrita eu poderia mostrar meu coração, sangrando numa bandeja de prata, posta sobre pedra escura, sendo oferecido ao ser alado.

Vê? Agora, já não é preciso lápis, papel, palavras. Tuas memórias conseguem reproduzir tudo que havia em mim... E tu vês o voo rasante sobre minhas copas. Ouves o som das ondas. Ainda sentes a quentura da areia grossa, quase pedras que ferem, lancinam e onde estou quedo, desfalecido, qual moribundo sereno, fendendo em duas metades. Se estranhas teus próprios sentidos, e se aproximas, pela brecha no meu peito um espelho te revela, escancara tua face de vampiro consumindo meus desertos, florestas, rios, lago, pés, olhos e coração... Meu coração!? Este já não pulsa. Jaz dilacerado entre teus dentes e em pequenas fibras sangrentas. Então compreendes porque não posso mais revelar as paisagens em mim.

NOTÍCIAS DO LADO DE LÁ

Morreu Juvânia. Obviamente filha de Juvenal da padaria e Vânia do lar ( numa época em que existia lar nas casas ). A morte dela me ating...