“Não
é o mais forte que sobrevive,
nem
o mais inteligente,
mas
o que melhor se adapta às mudanças.”
- Charles Darwin
Eu vejo um velho no espelho, um velho interno, dentro
de mim. Consigo enxerga-lo pelo vão de pupilas cansadas das intempéries da
vida. Esse velho sobreviveu a várias rotações em torno do sol e a milhares de
translações sobre si mesmo, morreu tantas vezes que só ele pode dizer quantas.
E todas as mortes foram iguais. Ferido por uma adaga. Por isso, ele se obriga a
ostentar essa aparência de forte, apesar de não ser nem mesmo inteligente.
O velho não sou eu. É a alma que agora me habita. Eu
digo agora, porque já foram tantas, a julgar verdadeiros os presentes que amigos,
familiares ou desafetos, em algum momento me ofertaram. A primeira pessoa a me
presentar uma alma, foi minha avó materna. Deu para mim uma alma boa. Eu ficava
procurando por essa alma em mim, mas não sabia ainda que deveria olhar no vão
das pupilas. Essa foi sucedida pela alma de artista, presente de uma professora
no primário. Depois minha vida ganhou um espírito cigano... esse eu matei e durante
bom tempo me habitou um espírito empreendedor. Espíritos brincalhões são
presentes constantes, coisas de amigos mais queridos. Até mesmo um espírito de
porco me habitou, era tão perfeito que cometeu suicídio. Agora me habita esse espírito
velho! Ele está inquieto e por isso veio espiar comigo seu reflexo no espelho. Eu
me pergunto se já houve em mim espírito mais belo que ele. Depois me calo,
quero dizer, paro de pensar para que o velho não saiba que já me habitaram
tantos espíritos inquietos que nem sei dizer qual foi mais belo. Porque a
beleza do espírito está na inquietude. Exatamente por isso tenho essa mania de
assassinar espíritos domados. Cada vez que o vão das pupilas revela a quietude
morna de um espírito calmo, eu lanço uma adaga e firo de morte a alma
sedentária que em mim habita. Na morte desta, nasce uma nova inquietude e vou
me renovando indefinidamente. Mas este último não se aquieta, o que me fez
desconfiar que fosse o mesmo, velho e único espírito que já tive. Ele está
adaptado a mim e nunca morreu de verdade. Aprendeu a ludibriar minhas adagas,
ou a mentir que elas feriam. Decerto riu todas as vezes que pensei tê-lo
matado... E se morreu alguma vez, ressuscitou. Sua inquietude, agora, vem da
falta de adagas arremessadas. Há muito não o firo - desde que a sinceridade de
todas as mortes se tornou duvidosa, e isso deve incomodá-lo mais que a mim.
Esse velho é realmente o mais belo, admito num
pensamento dentro de outro pensamento que está escondido num terceiro para
borrar a resposta a minha pergunta. Sim, essa minha alma é bela em suas
inquietudes e atuações dramáticas de falsa-morte! Porém, rir todas as vezes
antes de morrer não foi inteligente, já que eu posso feri-la de fato. E para
isso nem preciso ser forte... Só preciso cerrar os olhos, fechar o vão das
pupilas.