A morte dela me atinge indiretamente através da lembrança, antiga,
de eu menino querendo crescer e tomar o trabalho de Juvânia. Recordo a figura dela sentada diante
da fila de dois ou trinta resignados, cada qual com suas páginas de formulários
em tantas vias. Tinha habilidades de rotina. Recebia as páginas, cinco dedos
espalmavam sobre papéis no balcão e outros cinco firmes na cabeça do carimbo.
Almofada azul, pancada na primeira via. Almofada azul, pancada na segunda via. Almofada azul, pancada na terceira via. Juvânia não falava nada, apenas a mão direita golpeava a almofada azul repetidas vezes. Anel de
pedra vermelha na destra, pancada em outra via, não movia nada além das mãos,
cada qual na sua função automatizada. Devolvia sempre uma página a menos. A mão direita repousando sobre o carimbo, o carimbo repousando sobre a almofada azul, os
dedos da mão esquerda recolhiam única via á gaveta. Os dedos da mão direita não
soltavam o carimbo quando a boca sibilava "próximo". Juvânia ereta e quieta enquanto a canhota se
estendia abocanhando novos formulários com suas variadas vias. O resignado anterior saia
organizando páginas, as vezes sorria. Eu admirava tamanha habilidade e decidi, quando
crescesse ia trabalhar como carimbador. Não entendia Juvânia, que fazia toda
magia num mau humor danado!
Agora essa, recebo notícia que morreu Juvânia. Recordo o departamento bucólico em minha cidade de origem e abro nova frustração;
cresci, vim para a capital e esqueci de ser carimbador. Decerto nem mesmo lá nos cafundós se usa mais carimbos!