12 julho 2012

POSTIGO NUM DESAMOR QUALQUER

Antes, eu era capaz de expressar em letras os meus desertos e suas dunas imensas, hospedeiras de pequenos oásis. Ontem eu conseguia revelar as florestas tropicais em mim, onde arbustos e velhas árvores abrigavam pequenas clareiras de folhas velhas, decompostas e úmidas. Discorria sobre veredas que conduziam a penhascos suicidas, de onde eu atirava torrões de terras num rio caudaloso. Com palavras eu podia dizer desse meu lago interno, profundo, sereno, frio. Dizer das cachoeiras, das vertigens, dos céus em minha mente ou dos abismos em meu peito. Podia ainda abrir um postigo e mostrar o que havia de grandioso, fulgurante e solitário em mim. Sim, em algum momento, já mostrei a você o astro amarelo aquecendo areias de uma praia vazia, onde pés descalços imprimiam rastros da fome que ardia em meus olhos. Com a escrita eu poderia mostrar meu coração, sangrando numa bandeja de prata, posta sobre pedra escura, sendo oferecido ao ser alado.

Vê? Agora, já não é preciso lápis, papel, palavras. Tuas memórias conseguem reproduzir tudo que havia em mim... E tu vês o voo rasante sobre minhas copas. Ouves o som das ondas. Ainda sentes a quentura da areia grossa, quase pedras que ferem, lancinam e onde estou quedo, desfalecido, qual moribundo sereno, fendendo em duas metades. Se estranhas teus próprios sentidos, e se aproximas, pela brecha no meu peito um espelho te revela, escancara tua face de vampiro consumindo meus desertos, florestas, rios, lago, pés, olhos e coração... Meu coração!? Este já não pulsa. Jaz dilacerado entre teus dentes e em pequenas fibras sangrentas. Então compreendes porque não posso mais revelar as paisagens em mim.

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