27 maio 2006

BIROLO

(autobiografia - parte 4.051 de 14.600)

Na vila não tinha escola para todas as séries, só o Grupo Escolar de Ensino Primário, onde a mãe era professora. Por esse motivo eu terminei a quarta série e fiquei sem ter onde continuar os estudos. O pai não queria saber de moleque vadio dentro de casa e inventou de levar a gente para catar algodão nos vizinhos. Nosso sítio era pequeno, dois terços do ano a gente plantava arroz e no outro terço plantava milho, abóbora e feijão. Metade da colheita de arroz era vendida, a outra metade era beneficiada de ameia e alimentava a nossa família o ano inteiro. O milho e abóbora serviam de ração para galinhas, porcos e cavalos. Feijão a gente comia tudo o que colhia. Enquanto nosso arroz granava, as colheitas de algodão começavam. Então tínhamos mais de um mês para ganhar dinheiro nas roças vizinhas. O pai catava até oito arrobas por dia, eu comecei colhendo de duas a três arrobas, então, no final da primeira semana o pai avisou que o que eu catasse acima de três arrobas era dinheiro meu. Quando terminou o primeiro mês de colheita de algodão, eu catava acima de quatro arrobas! Por dia eu ganhava mais de uma arroba. Então paramos para cuidar da nossa roça, colher o nosso arroz. Deu quatro dias de corte. No quinto dia fizemos o girau de ripas e forramos embaixo, depois começamos a bater o arroz. Nas colheitas artesanais a gente pega uma moita de palha, bate o lado dos grãos na bancada feita com ripas – intercaladas a cada quatro centímetros, os grãos vão se desprendendo e caindo onde está forrado para não misturar com a terra. A palha sem grão é colocada de lado, pode ser moída e misturada na ração dos cavalos, ou então a gente guarda para colocar debaixo das flores de abóboras e melancias, para proteger o fruto que vai nascer e crescer no período das chuvas, do contato com a terra molhada. Depois de bater, recolher, ensacar e armazenar o arroz no paiol, nós retornamos para a cata de algodão alheio. O pai era esperto e disse que o que eu colhesse acima de quatro arrobas era dinheiro meu. No começo fiz corpo mole só de birra. Catava pouco mais de três arrobas por dia, mas acabou a semana e eu não vi a cor de dinheiro nenhum, então na semana seguinte eu catei algodão feito louco! Longe do pai, que dele eu não queria nem chegar perto. O pai pegava um eito e eu ia pra longe, pegava dois eitos de uma vez. Ia apanhando algodão numa rua e voltava na outra, para não perder tempo! A gente só se encontrava na hora da bóia. Ainda assim porque a mãe fazia questão de mandar nossa comida na mesma panela. O pai dividia tudo por igual em dois pratos esmaltados que vinham bem embalados para não pegar sujeira de roça. Coisa de mãe mesmo! Nessas horas eu ficava olhando com ternura para o pai, que era bem maior que eu, trabalhava mais, no entanto dividia a bóia em partes idênticas e ainda, se eu quisesse, podia escolher o prato primeiro porque o pai não comia antes de agradecer a Deus e beber um gole d’água. Geralmente ele ainda estava com a moringa nas mãos e eu já estava mastigando comida fria. Depois de duas semanas o pai começou a preparar nossas terras para o plantio de milho, coisa que só pedia esforço do cavalo e apoio de um homem controlando o arado. Eu continuei na colheita de algodão e terminei a temporada catando seis arrobas por dia. Foi com esse trabalho que comprei minha primeira bicicleta. Engraçado, lembrando disso hoje, é que eu poderia facilmente ocultar do pai o total colhido diariamente. No decorrer do dia, cada vez que enchia a saca de algodão, a gente devia levá-la para pesar e esvaziar, a cada pesagem o dono da roça emitia um bilhete com o peso aferido, bastava eu esconder os bilhetes de duas pesagens e depois receber diretamente do produtor no sábado à tarde. Mas nem me passou pela cabeça enganar o pai, todos os dias eu chegava em casa e antes do banho, do jantar ou de qualquer coisa, entregava direitinho cada um dos bilhetes. No ano seguinte o pai avisou que o que eu catasse acima de seis arrobas era dinheiro meu, ainda assim, sequer pensei em desviar um só bilhete. Sempre tive berço!

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