Depois de muito tempo eu até considerava o Dionleno um cara bacana, mesmo assim nunca dei trela a esse portador de aberração no registro de nascimento. Os pais analfabetos se encantaram com a música gringa martelada na vitrola do bailinho onde se conheceram. Não deu outra, marcaram casamento e combinaram que o primeiro filho receberia o nome do cantor que embalou os primeiros beijos. Tudo bem que o pai não sabia a grafia, a mãe repetiu de memória o nome do cantor ao escrivão, que não tinha tempo para futilidades e mais que depressa eternizou a intenção. Foi assim que surgiu o Dionleno, que até parece um cara bacana, mas também é bizarromônimo de John Lennon e ladrão de mulher. Dionleno aprendeu cedo a se defender das gozações feitas com seu nome, respondia fazendo graça e de tanto treinar ficou engraçado de vez. Fez disso uma profissão e foi trabalhar no circo. Palhaço para honra e glória do vilarejo que nunca mais soube dele, foi fazer fama na capital, depois no sul e ninguém mais soube onde. Mas Dionleno acabou em Minas Gerais, deu flor de plástico para Esther, mocinha com agá no meio do nome e olhos verdes na cara. Quando ela sorria fechava um pouquinho os olhos e abria um montão a boca vermelha de batom. Eu queria virar, junto com ela, estátua de Michelangelo em mármore branco e para sempre ter Esther sorrindo de frente para mim. Se Esther me beijava acontecia um furacão no meu peito, uma quentura no estômago, um arrepio se alastrando, roupa incomodando. A mesma sensação dos anjinhos na pintura humorada - talvez Piero di Cosimo, dois peladinhos com a bunda rosada selando os lábios. Mas o circo chegou! Não éramos ainda estátuas, nem anjinhos pelados, apenas bons namorados andando de mãos dadas no dia de estréia. Tinha o palhaço e também malabarista, um leão magro desengonçado, uma zebra só osso e outros esqueletos enjaulados. Judiação! Nunca chorei tanto, escondido, raivoso, querendo dar fim no palhaço banguela de cabelos azuis, boca amarela e nariz vermelho. "E o palhaço o que é?"... - Vai te embora sozinho, diacho de ladrão desgraçado, deixe minha Esther! Não teve jeito, quando a lona foi arriada ela também foi embora, coração enjaulado feito animal feroz, magro, faminto de estrada e de Dionleno. Esther voltou anos depois, fome apaziguada, na mão um menino e no colo outra cria. No ar, talvez dum rádio, a música STAND BY ME dando as boas vindas ao palhaço de cara limpa, nariz descolorido, boca endentada, duas malas nas mãos. Veio morar com a sogra, minha vizinha. Demorou pouco para eu perceber que minha dor, tantas vezes chorada, nem mesmo existia. E por cima do muro Esther esboçava um sorriso me olhando com seus dois olhos verdes, mas eu já não via neles a menor graça. Diacho! Achar graça eu até achava... Porém, outra coisa que eu achava é que o Dionleno parecia um cara bacana. Nunca dei trela. Nem pra ele nem para ela.
31 dezembro 2005
29 dezembro 2005
NOMINAIS
Ligo para o celular de minha melhor amiga, mal ela atende pergunto:
- E aí, beleza? Tudo na paz com você?
- Tudo bom, mas quem está falando?
- Não reconhece? É o Adalberto!
- Não tenho a menor idéia de quem seja!
- Então me desculpe, foi engano...
Não desligo, permaneço mudo esperando desligarem do outro lado. Ela não desliga, pelo contrário, mantém o celular empunhado, ouço a respiração dela e imagino o que se passa na cabeça dessa criatura que conheço tanto. Finalmente cai a ficha lá do outro lado:
- ABÊ???
Sorrio.
- Eu mesmo! Quem mais se chama Adalberto no seu círculo de amizades?
- Que eu saiba nem você tem esse nome. Desde que te conheço só te chamo por Absurdos ou Ab... No máximo um Beto, mas nunca imaginei que Beto viesse de Adalberto!
- Tem tudo a ver... Adalberto, Beto.
- Muito distante. Ainda se fosse Roberto, Alberto, Norberto...
- Não exagere. Adalberto também pode ser resumido para Beto.
- Trabalhei com um Dagoberto que se recusava a dizer o nome e se apresentava pelo sobrenome, Silva, quando a turma fez uma festa de fim de ano e solicitou um nome menos formal, disse que preferia ser chamado de Beto.
- Também não esculacha com meu nome, Adalberto é muito mais bonito que Dagoberto.
- Não combina com você. Muito pesado para um amigo meu... Não consigo me imaginar amiga de um Adalberto. Qual é seu sobrenome?
Não sei se ela falou sério, tanto tempo de amizade e só agora descubro que minha amiga (antes virtual e agora real), se recusa a ter amizade com um cara que tem o nome de Adalberto. Lá do outro lado da linha ela percebe que pode ter exagerado e solta uma gargalhada. Do lado de cá a minha orelha já está quente. Conversar muito pelo celular esquenta a orelha! Passo a informação que motivou a ligação, desligo e começo a pensar em nomes. Já fui chamado até de Abrangente! Mesmo assim gosto do meu nome, ele tem uma peculiaridade que sobrepuja a pompa (eu acho meu nome completo um tanto quanto pomposo), chega a ser uma preciosidade, meu nome começa no A e termina no Z.
Será que meus pais pensaram nisso quando escolheram, juntos imagino, o nome desse filho que vos escreve? Será que os pais consideram, quando estão decidindo o nome do filho, que o pobre vai carregar essa escolha por toda uma vida? Se bem que não somos obrigados a carregar nomes que nos são impostos. Os filhos da Baby Consuelo, por exemplo, cresceram e escolheram nomes diferentes dos que receberam. Aliás, a própria Baby trocou o nome, agora é Baby do Brasil. Coisa linda! Uma flor de maracujá. Linda é toda a família do Pepeu, bem resolvida, sem neuras com essa coisa de nomes:
- Mãe, vou trocar meu nome...
- Legal filha, vai nessa que espero você voltar e a gente treina a te chamar pelo novo nome.
- Tchau!
Meia hora depois a jovem retorna:
- Voltei... Agora sou Sarah Sheeva.
A porta ainda nem fechou quando chega o Pepeu:
- Consuelo, viu minha calça? Aquela com tecido feito da cannabis?
- Meu nome não é Consuelo, é Baby do Brasil!
- Ué! Que bicho mordeu sua mãe Riroca?
- A Riroca deixou de existir pai, agora meu nome é Sarah Sheeva!
- Xiiiiii... Entrei na casa errada?
A Baby, ex-Consuelo, alopra:
- Nem pense em fazer graça entrando no apartamento da frente! Acabo com você e com aquela lambisgóia oxigenada!
- Pô Baby, não encana com a vizinha... E o nome dela não é lambisgóia, é Lourdes Di Gengiba!
- Gengiba pai?
- Isso.
- Que maneiro! Se soubesse que podia ter nomes esquisitos teria trocado o meu para Bassora!
Os pais carinhosos e compreensivos esquecem a vizinha loira, abraçam e consolam a filha que ainda está em crise nominal:
- Semana que vem você troca novamente filha.
- Troca sim. Se quiser vamos te chamando de Beréba para acostumarmos.
- É Bassora mãe!
- Que seja... que seja.
Melhor ser confundido com um Dagoberto. Ou mesmo um Abrangente! Desencano e ligo para o Deco. Esse é quase um irmão e sabe todos meus nomes e apelidos.
- E aí, beleza? Tudo na paz com você?
- Tudo bom, mas quem está falando?
- Não reconhece? É o Adalberto!
- Não tenho a menor idéia de quem seja!
- Então me desculpe, foi engano...
Não desligo, permaneço mudo esperando desligarem do outro lado. Ela não desliga, pelo contrário, mantém o celular empunhado, ouço a respiração dela e imagino o que se passa na cabeça dessa criatura que conheço tanto. Finalmente cai a ficha lá do outro lado:
- ABÊ???
Sorrio.
- Eu mesmo! Quem mais se chama Adalberto no seu círculo de amizades?
- Que eu saiba nem você tem esse nome. Desde que te conheço só te chamo por Absurdos ou Ab... No máximo um Beto, mas nunca imaginei que Beto viesse de Adalberto!
- Tem tudo a ver... Adalberto, Beto.
- Muito distante. Ainda se fosse Roberto, Alberto, Norberto...
- Não exagere. Adalberto também pode ser resumido para Beto.
- Trabalhei com um Dagoberto que se recusava a dizer o nome e se apresentava pelo sobrenome, Silva, quando a turma fez uma festa de fim de ano e solicitou um nome menos formal, disse que preferia ser chamado de Beto.
- Também não esculacha com meu nome, Adalberto é muito mais bonito que Dagoberto.
- Não combina com você. Muito pesado para um amigo meu... Não consigo me imaginar amiga de um Adalberto. Qual é seu sobrenome?
Não sei se ela falou sério, tanto tempo de amizade e só agora descubro que minha amiga (antes virtual e agora real), se recusa a ter amizade com um cara que tem o nome de Adalberto. Lá do outro lado da linha ela percebe que pode ter exagerado e solta uma gargalhada. Do lado de cá a minha orelha já está quente. Conversar muito pelo celular esquenta a orelha! Passo a informação que motivou a ligação, desligo e começo a pensar em nomes. Já fui chamado até de Abrangente! Mesmo assim gosto do meu nome, ele tem uma peculiaridade que sobrepuja a pompa (eu acho meu nome completo um tanto quanto pomposo), chega a ser uma preciosidade, meu nome começa no A e termina no Z.
Será que meus pais pensaram nisso quando escolheram, juntos imagino, o nome desse filho que vos escreve? Será que os pais consideram, quando estão decidindo o nome do filho, que o pobre vai carregar essa escolha por toda uma vida? Se bem que não somos obrigados a carregar nomes que nos são impostos. Os filhos da Baby Consuelo, por exemplo, cresceram e escolheram nomes diferentes dos que receberam. Aliás, a própria Baby trocou o nome, agora é Baby do Brasil. Coisa linda! Uma flor de maracujá. Linda é toda a família do Pepeu, bem resolvida, sem neuras com essa coisa de nomes:
- Mãe, vou trocar meu nome...
- Legal filha, vai nessa que espero você voltar e a gente treina a te chamar pelo novo nome.
- Tchau!
Meia hora depois a jovem retorna:
- Voltei... Agora sou Sarah Sheeva.
A porta ainda nem fechou quando chega o Pepeu:
- Consuelo, viu minha calça? Aquela com tecido feito da cannabis?
- Meu nome não é Consuelo, é Baby do Brasil!
- Ué! Que bicho mordeu sua mãe Riroca?
- A Riroca deixou de existir pai, agora meu nome é Sarah Sheeva!
- Xiiiiii... Entrei na casa errada?
A Baby, ex-Consuelo, alopra:
- Nem pense em fazer graça entrando no apartamento da frente! Acabo com você e com aquela lambisgóia oxigenada!
- Pô Baby, não encana com a vizinha... E o nome dela não é lambisgóia, é Lourdes Di Gengiba!
- Gengiba pai?
- Isso.
- Que maneiro! Se soubesse que podia ter nomes esquisitos teria trocado o meu para Bassora!
Os pais carinhosos e compreensivos esquecem a vizinha loira, abraçam e consolam a filha que ainda está em crise nominal:
- Semana que vem você troca novamente filha.
- Troca sim. Se quiser vamos te chamando de Beréba para acostumarmos.
- É Bassora mãe!
- Que seja... que seja.
Melhor ser confundido com um Dagoberto. Ou mesmo um Abrangente! Desencano e ligo para o Deco. Esse é quase um irmão e sabe todos meus nomes e apelidos.
26 dezembro 2005
ANA
O nome dela começava com a letra r, de Rosana. Mas Ana não achava graça alguma em rosas, por isso eliminou a Rosa do próprio nome e continuou preferindo margaridas.
Ela mesma confessou que gostou de mim quando deixei escapar na sala de aula a predileção por margaridas. Eu sempre tive muita sorte com frases soltas. Já no intervalo Ana me insinuou calores em seu corpo magro de busto e ancas retas. Da amizade para o namoro bastou o primeiro de maio despetalando girassóis num mal-me-quer-bem-me-quer. No oitavo girassol, bem antes das pétalas todas serem arrancadas, concordamos que nosso tempo seria bem melhor aproveitado se desistissímos do sortilégio e arrancássemos mutuamente camisas, calças e suspiros. Deixamos em paz as pétalas e ficamos algum tempo ocupados com nossas peles, nossas bocas, nossos corpos leves, magriços.
Trocamos margaridas no dia dos namorados, nas férias, no dia dos pais, no sete de setembro, dia das crianças, finados, natal, ano novo e carnaval. A cada nova data de feriado, uma flor e uma carta de amor, sem propositos, sem intenções. Gestos de quem distribui comida aos pássaros, sem esperar retorno. Mas quando uma margarida chegava para mim, era como se um pássaro pousasse no meu ombro, não conseguia impedir a lágrimazinha, teimosa, ignorando a ordem para que permanecesse no fundo do olho esquerdo. E foi assim durante três estações inteiras, então era outra vez outono com sua ausência de flores. Azar do girassol que Ana despetalou durante a páscoa tentando descobrir se eu ainda a bem queria.
Eu não a mal queria, porém mais bem queria outra garota... Julia, de seios redondos e quadris bem fornidos, com predileção clara para o vaso repleto de trevo de quatro folhas.
Ana não tinha sorte o bastante. Na última pétala deu mal-me-quer.
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